1. A leitura oral dos quadrinhos
Se pedíssemos a uma criança que não sabe lê para descrever a revista em quadrinhos o que ela provavelmente nos diria?
O que tenho diante de mim, afinal, é apenas papel e tinta e nem ao menos disso me apercebo de imediato. O que primeiro vejo são as cores fortes, borrões brancos, contornos em preto. Sigo olhando: os contornos pretos formam quadros de tamanhos regulares, mas não exatamente iguais. Servem como moldura para figuras contornadas em preto e preenchidas com cores (poucas e recorrentes, em contraste, com o fundo brilhante variável). As tais figuras são traçadas de forma bem simples, com grande economia de traços.
Ao realizar esse tipo de leitura o aluno está realizando uma leitura de mundo, descrevendo e esternando aquilo que consegue vê. Quando uma criança ler uma história em quadrinhos, se tenho interesse em compreender a história e não apenas admirar cada quadro, há um certo limite de tempo de observação a ser respeitado, o tempo de leitura nos quadrinhos será avaliado da seguinte maneira:
Pode se organizar psicologicamente em função de um dado agrupamento d e imagens (os blocos, enfim) ou mesmo de um agrupamento de cores ( igualmente, agenciadoras de blocos). Os quadrinhos, por uma exigência semiótica, impõem uma leitura dinâmica e simultânea (Cirne, 2000: 150, grifos no original).
1.2 Tipos de leitura que podem ser realizadas com a revista em quadrinhos
Por leitura se entende toda manifestação lingüística que uma pessoa realiza para recuperar um pensamento formulado por outra e colocado em forma de escrita.
Uma leitura pode ser ouvida, vista ou falada. Um texto escrito pode ser decifrado e decodificado por alguém que traduz o escrito numa realização de fala. Esse tipo de leitura ocorre mais comumente nos primeiros anos de escola, no trabalho de certos profissionais, e em raras situações para a maioria das pessoas. Em geral não lemos em voz alta, fora da escola. E, quando algumas pessoas são solicitadas a ler, envergonham-se, dão desculpas dizendo que não sabem ler direito etc. Isso porque a leitura oral, falada, é vista, em geral, devido aos preconceitos lingüísticos da sociedade, como devendo ser a realização plena do dialeto-padrão no seu nível mais formal. Essa expectativa, associada ao fato de as pessoas saberem que em sua fala e leitura particular dizem as palavras com características dialetais que são mal vistas pelo dialeto-padrão, as inibem ao lerem, não porque não saibam ler, mas porque têm vergonha do próprio dialeto, um preconceito que a escola nunca desfaz, ao contrário, sempre incentivou.
A leitura oral é feita não somente por que lê, mas pode ser dirigida a outras pessoas, que também “lêem” o texto ouvindo-o. Os primeiros contatos das crianças com a leitura ocorrem desse modo. Os adultos lêem histórias para elas.
Uma criança que é muito exposta a essas manifestações tem grandes vantagens na escola sobre aquelas crianças que não têm a mesma chance na vida. Ouvir uma leitura equivale a ler com os olhos, a única diferença reside no canal pelo qual a leitura é conduzida do texto ao cérebro. Na nossa sociedade há muito preconceito com relação a isso.
A nossa cultura durante muito tempo se constituiu de livros escritos e da leitura silenciosa visual (consideradas por alguns a verdadeira leitura), preservando-se através deles. Poucas instituições, como os conventos, conservam deste tempos remotos o hábito da leitura pública, em que um leitor lê para a comunidade.
Hoje, até as poesias são lidas na solidão de cada um, e ninguém estranha que uma forma lingüística que nasceu para ser ouvida, por suas características rítmicas e melódicas, não seja mais usada em sua plenitude. É quase como um músico que “lê” uma partitura e imagina a música. Ler uma peça de teatro não é o mesmo que vê-la encenada. São dois tipos diferentes de leitura. Nem sempre a leitura visual silenciosa é a mais adequada para certos textos, que foram feitos com a interação de serem lidos oralmente ou ouvidos.
No entanto, não há dúvidas de que a leitura visual silenciosa é muito mais comum entre as pessoas. Sua importância para a vida da maioria delas é muito maior que a dos outros tipos de leitura. A leitura visual tem grandes vantagens sobre os outros tipos de leitura. Não só não inibe o leitor por questões lingüísticas, como permite ainda uma velocidade de leitura maior, podendo ele parar onde quiser e recuperar passagens já lidas, o que a leitura oral de um texto não costuma permitir. Daí a conclusão de algumas pessoas de que a leitura silenciosa favorece mais a reflexão sobre o texto.
Com relação a isso, gostaria de dizer que ouvir uma leitura também favorece muito a reflexão; tanto é que nos conventos até hoje se fazem meditações dessa maneira. Acontece que na escola se ensina mais comumente aos alunos o uso da leitura visual silenciosa, individual para a reflexão, que o da leitura oral pública. Muitas dessas afirmações que se tornaram proverbiais na Educação são mais fruto de uma prática e de um treinamento específico do uma verdade em si. Lembro-me de que, quando era criança, muitas pessoas diziam que o cinema iria acabar com a reflexão na leitura, que a televisão iria criar uma geração vazia mentalmente porque não se leria como antes. Encarava-se o simples acompanhar das imagens na tela como um processo de esvaziamento, quando na verdade era um processo muito mais rico de informações para a criança.
A imagem e a letra sempre estiveram em guerra. As letras dominaram o mundo durante muitos séculos, mas tenho a impressão de que a imagem tem ganho as últimas batalhas e a hegemonia das letras está de certa forma comprometida. A imagem e a letra têm características próprias, com vantagens e desvantagens para os textos que produzem.
A escrita, sem a imagem, permite que o leitor imagine e crie um mundo fantástico, próprio para si, onde as personagens ganham as formas que ele deseja e sente. Um outro leitor, a partir da mesma leitura, criará um outro mundo. Certamente haverá muita coisa em comum, mas a criação individual, nesse caso, tem um papel decisivo.
Por outro lado, as imagens em movimento reservam emoções que o texto escrito expressa muito mais fracamente. O ideal seria poder manter a experiência da leitura dos textos escritos e a experiência da leitura das imagens dos filmes e da televisão.
A leitura oral, falada ou ouvida, processa-se foneticamente de maneira semelhante á percepção auditiva da fala. A leitura visual, falada ou silenciosa, além de pôr em funcionamento o mesmo mecanismo de percepção auditiva da fala para a decodificação do texto, precisa pôr em ação os mecanismos de decifração da escrita. Não existe leitura sem decifração da escrita. Se eu escrever com caracteres japoneses, gregos ou cirílicos, não será possível alguém ler o texto que o leitor se não for capaz de decifrar a escrita. Pode ser até um texto que o leitor sabe de cor, como uma cantiga de roda, mas, porque não consegue decifrar a escrita, não é nem capaz de desconfiar de que trata aquela grafia estranha. Ema criança que começa a ler encontra dificuldade semelhante.
Ler é fácil para quem sabe e, nesse primeiro passo da leitura, a facilidade ou dificuldade do texto se torna irrelevante com relação á dificuldade especifica de decifração propriamente dita da escrita. Casa não é uma palavra fácil de ler só porque é de uso comum na fala da pessoa.
Depois de decifrada, pode ser de fácil compreensão. É de fácil leitura para quem sabe ler e avalia a dificuldade de leitura somente pela compreensão do texto. Uma criança que vai aprender a ler traz um problema anterior, que é dominar as estratégias de decifração. Para ela isso é o difícil. Se ela conseguir decifrar, compreender o significado de casa é banal, porque ela é falante nativa dessa língua e a palavra lhe é muito familiar.
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(Artigonal SC #1131528)


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